“O Caminho da Transformação”
Todos nós, em algum momento, sentiremos um chamado para voltarmos para casa. Uma voz que nos diz que “aqui” não é nosso lugar. Há uma necessidade de se aquietar para perceber esta voz e o que ela deseja. Nasce, então, uma curiosidade que nos instiga a vasculhar o que é este chamado e de onde vem.
Na vida não há ninguém que não saiba disto, pois a memória de casa nos persegue, embora não consigamos reconhecer o que nos lembra.
No entanto, alguns deixam de lado esta inquietação, distraindo-se em jogos que ocupem o tempo e afastam a tristeza; outros negarão que estão tristes e nem reconhecem as próprias lágrimas; outros, ainda, insistirão em dizer que são ilusões e que tudo não passa de um simples sonho. Porém, na sinceridade do nosso íntimo, sem defesas e sem autoengano, percebemos, sentimos e somos levados a uma busca sem fim, buscando na escuridão o que não se pode achar, e sem reconhecer o que se está procurando.
Nasce de dentro para fora uma intensa e profunda inquietação, que nada satisfaz. O que se mostra fora, ou seja, no mundo material, não consegue preencher e, nem tampouco, satisfaz o vazio. Esta é uma necessidade que vai além da superfície, que vai além da personalidade, que está além do pensar, do fazer e do ter. A cura deste anseio nos conduz além de nós mesmos, além dos enredamentos com nosso ego.
Aqui estamos diante de meta-necessidades, que fazem parte da condição humana. Todo o ser humano vai perceber e sentir em algum momento da trajetória, porém, nem todos reconhecerão de onde vem o anseio e o chamado. Mas é certo que vem do íntimo do nosso ser para proporcionar a evolução.
Esse chamado vem do nosso mundo interno e, se o acolhermos, irá nos conduzir à evolução, ao crescimento e ao processo que nos desenvolve como seres humanos. Entretanto, se for negado, pode provocar muita angústia, aflição e um vazio existencial.
É preciso entender que o mundo interno e o mundo externo são realidades diferentes. Quando estamos no mundo externo, estamos vivenciando uma realidade material palpável, solidificada. Estamos regidos pelos cinco sentidos, às vezes à mercê deles, outras vezes, com todos embotados.
Um senso de dualidade rege a dimensão material – dia/noite; preto/branco. Aqui, experimentamos dor/sofrimento, desafios emocionais, experiências que geram karma bom ou ruim, e assuntos inacabados, que em algum momento deverão ser concluídos. Somos o tempo todo permeados pelo ciclo de morte/vida/morte.
Na biologia, o tempo todo temos a morte de células para nascerem outras. Na parte psicológica, morre uma etapa para nascer outra, morre um comportamento para nascer outro. Porém, esse é um jogo que só conhecemos jogando. É superficial, é aparente, é preciso ir além e através da personalidade e da aparência do mundo.
Viver uma vida plena é possível, mas requer significado. O significado dá consistência e fundamenta a vida. O espírito é que dá significado e luz e, à medida que experimentamos a iluminação, adquirimos consciência ampla e deixamos para trás a dualidade, percebendo em tudo e todos a unidade. Sendo assim, os acontecimentos começam a adquirir novos significados, analisados no contexto em que existem. Começamos, então, a usar as experiências para crescermos dando sentido à vida.
Entretanto, de adormecidos e inconscientes, há indivíduos despertos, lúcidos e conscientes. Existe um processo que requer cuidado, desapego, atenção e amorosidade. Este processo é o “Caminho da Transformação”: requer identificação, desidentificação, transmutação e transformação do material que reside no inconsciente, para que aconteça conscientemente a renovação, elaboração e integração de novos pontos de vista, atitudes e comportamentos mais adequados ao saudável.
Você não muda a sua vida se não mudar. Mudar é preciso e é fundamental. Não chegaremos ao Amor, à Plenitude, sem mudar.
Não existe felicidade e Bem-Estar sem entendimento e conhecimento do mundo interno. Um estado de ser mais pleno estabelece uma ampliação da consciência e profunda avaliação de quem somos. Os pontos fracos identificados e transformados nos levam aos pontos fortes. Os aspectos inferiores apoiam e sustentam os superiores, permitindo a evolução.
Neste ponto, exige-se aprender a perdoar, a ter compaixão e amor por tudo aquilo que podemos pensar, fazer e ser. É importante acolher o que é e o que não é, abraçar com a luz a sombra que também somos.
Certamente, estamos diante de um processo de transformação cheio de desafios e lutas para transcender as forças de oposição e transmutar tudo em luz.
Todas essas experiências são necessárias para se chegar a uma consciência mais elevada.
Entramos em contato com a nossa Essência, nossa Luz interior e ela nos guia à compreensão da unidade que somos, penetrando a consciência. Com a luz, a compreensão e a reflexão ficam mais claras e as soluções para os problemas tornam-se mais evidentes.
O novo estado de consciência nos leva a uma maior necessidade de conhecimento e de escolhas, de conceitos mais elevados. Os valores mais elevados são percebidos e reconhecidos, a verdade íntima torna-se mais valorizada e real.
Despertamos para novas possibilidades, oportunidades, talentos, recursos e capacidades. No entanto, para a maioria escolher realidades superiores é uma decisão difícil, porque uma consciência mais elevada implica em mudanças e nós resistimos. Não queremos ter trabalho, abraçamos a zona de conforto, criamos vínculos que são nossas referências e que nos seguram e nos seguramos nestes vínculos. Para nos elevar, é preciso romper com tudo aquilo que não queremos, mas que é nosso. E o apego a tudo que é nosso, mesmo que não seja bem, nem funcione, é forte.
Precisamos da fusão entre o Eu Superior e a personalidade e, para que a fusão aconteça, realmente vamos enfrentar a purificação dos corpos inferiores, nossos medos e nossas dores. Toda a negatividade será atravessada e, só assim, teremos um domínio sobre o corpo mental e emocional. Dessa forma, alcançaremos a maturidade e a individuação, que tornará nossa vida mais harmoniosa e prazerosa. Este é o nosso destino, nosso maior compromisso é Ser Feliz e Iluminado.
Ser Feliz e Iluminado é possível. Entretanto, requer uma profunda viagem pelo mundo interno. É preciso levar a sério, com empenho, disciplina e força de vontade, a renovação.
É importante compreender que não há processo de transformação sem crises internas e externas. As crises instalam revoluções e tem a intenção de nos levar a evolução. A evolução pede mudanças e a crise, certamente, é uma tentativa natural de efetuar mudanças, através das leis que regem nossa evolução e amadurecimento pessoal.
A felicidade é um estado de ser pleno, onde os potenciais e recursos do indivíduo se manifestam num fluxo constante e natural. Entretanto, para estabelecer e ancorar este estado de ser é preciso equilíbrio, pois a natureza oportunizará revoluções para efetivar as mudanças estruturais necessárias.
Somos literalmente sacudidos, até as profundezas do nosso ser, através de situações, circunstâncias e acontecimentos, a tomar decisões importantes. Ao mesmo tempo em que nossos sentimentos, emoções e pensamentos se agitam, formando uma imensa e intensa convulsão psíquica.
A crise é sempre um reajuste e pode se manifestar sob várias formas, seja através de transtornos e profundo sofrimento, ou, ainda, sob a forma de incertezas e inseguranças derivadas da necessidade de desapegar e desvencilhar-se de hábitos.
Certamente, a crise é o nosso modo de evoluir, quando nos falta coragem de fazê-lo espontaneamente. É sempre um golpe violento em nosso mundo. Quando chega uma crise, não temos opção e, se não evoluímos, permaneceremos estagnados e alienados, mergulhados numa grande confusão emocional e mental.
Não conseguimos mudar sem mudar, a crise reflete nossa resistência em mudar e crescer. As mudanças estão sempre acontecendo, pois a vida é um fluxo constante, o momento anterior não é igual ao momento seguinte. Mudar é parte integrante da realidade a cada instante. Normalmente, lidamos com essas mudanças cotidianas, de forma eficiente, pois requerem pequenas alterações e adaptações. Entretanto, existem mudanças que exigem alterações profundas na maneira de ver, de sentir, de pensar.
O ego resiste à mudança, porque a interpreta como morte, pois não dá para mudar sem deixar morrer o que foi e o que não é mais. Além do que, evitar a dor e a fadiga faz parte da dinâmica egoíca. Portanto, nos encaixamos na zona de conforto e ali nos estabelecemos e, então, a crise vem nos visitar. Quanto maior a resistência, maior será a crise. E a revolução provocada que se faz necessária, se não acontecer, tornará a crise permanente e contínua. Atualmente, essas crises são chamadas pela ciência moderna de emergência espiritual.
Segundo Christina Grof e Stanislav Grof “há indícios cada vez mais concretos de que muitas pessoas que passam por episódios de estados não ordinários de consciência, estão sofrendo uma crise evolutiva e não uma doença mental. O reconhecimento deste fato tem importantes consequências teóricas e práticas. Se adequadamente identificadas e tratadas como estágios difíceis de um processo natural de desenvolvimento, essas experiências, denominadas “emergências espirituais” ou “crises transpessoais” podem resultar na cura emocional e psicossomática, produzir a resolução criativa de problemas e estimular a transformação da personalidade e a evolução da consciência. É isso o que reflete a expressão “emergência espiritual” que significa “crise”, mas também o potencial para ascensão a um estado mais elevado de Ser.”
Se essas crises são reprimidas podem resultar em cronicidade e dependência de tranquilizantes e outros medicamentos, com a possibilidade de sérios efeitos colaterais e empobrecimento da personalidade. Portanto, o esclarecimento teórico do conceito de crise transpessoal e o desenvolvimento de abordagem eficaz para seu tratamento, são muito importantes.
Ainda segundo os autores acima citados, “as emergências espirituais ou crises transpessoais” podem ocorrer de modo espontâneo, sem ação de fatores de precipitação, ou podem ser deflagrados por estresse emocional, exaustão física, enfermidades, acidentes, experiências sexuais intensas, trabalho de parto, drogas psicodélicas ou várias práticas de meditação.
Entretanto, é importante frisar que nem toda experiência de estados incomuns de consciência e de alterações perceptivas emocionais, cognitivas e psicossomáticas intensas, se enquadra na categoria de emergência espiritual. Muitos distúrbios mentais estão diretamente relacionados com disfunções cerebrais ou doenças de outros órgãos e sistemas do corpo. Por conseguinte, torna-se indispensável minucioso exame médico e psiquiátrico para se avaliar o quadro.
A plenitude é um estado saudável e de perfeito equilíbrio, que só é alcançado através de mudanças estruturais no ser. Qualquer que seja a forma sob a qual se manifeste, a crise procura romper velhas estruturas fundamentadas em concepções errôneas ou em conclusões falsas. Enfim, se faz necessária a ruptura de tudo que foi construído sobre negatividade, hábitos arraigados e destrutivos, crenças, ideias, formas-pensamento, métodos, atitudes, lembranças, manias, certezas, formas de relacionamento. Certamente, tudo que é incoerente, com o crescimento e desenvolvimento integral do indivíduo, pede desprendimento e é extremamente dolorida a despedida.
O desapego de uma infinidade de facetas e partes, que depois de vividas e experimentadas devem simplesmente seguir o curso natural e sair de nossas vidas, é um desafio porque dilacera, rompe com algo que pertence, que está estruturado e faz parte de Quem Somos. É um pedaço que se solta e pequenas identidades e pequenas mortes acontecem, mas sem essas rupturas a transformação é inconcebível. Quanto mais doloroso esse processo, mais empecilhos são criados para impedir a mudança e, quanto mais se evitar a dor, maior a crise. Assim, ficamos mergulhados num imenso limbo psíquico, observado pela parte mais elevada e saudável do nosso ser, que nos impulsiona ao contato com a nossa Essência e com o Bem que ali reside.
Neste momento, se faz necessária a confiança no Bem, acreditar que tudo é possível e que somos seres especiais. É a crença neste infinito e ilimitado bem, que nos auxilia na desidentificação das estratégias mentais e dos esquemas emocionais negativos e fixados na personalidade.
A personalidade, certamente, vive experiências que geram destrutividade e atitudes negativas, que se repetem formando fixações e uma força densa, negativa e crescente no interior da psique.
A negatividade em si faz parte da natureza humana, entretanto, o apego instala uma força auto perpetuadora dos aspectos negativos e cria um estado de estagnação e paralisia, que é sempre negativa e crescente. Daí a necessidade do ser humano de vivenciar crises para sacudir essa massa congelada e paralisada.
A união com a nossa Essência e o consequente fortalecimento do Saudável, nos proporciona o desapego da massa estagnada e densa criada pela perpetuação da negatividade humana.
No caminho para a realização, precisamos trabalhar intensamente a libertação da negatividade, pois ela impede o fluxo dos potenciais, recursos e capacidades inerentes, e que é a razão de ser do desenvolvimento humano.
Os pensamentos e sentimentos formam correntes de energia, que podem ser positiva ou negativa. A energia se alimenta do impulso e se for baseada em conceitos, concepções e sentimentos, fundamentados em verdade, será positiva e aumentará infinita e ilimitadamente, nos elevando, ampliando e nos desenvolvendo o tempo todo, da melhor forma, ou seja, de forma adequada.
No entanto, se a energia se fundamentar em conceitos, concepções e sentimentos negativos, baseados no erro, criará o campo destrutivo, negativo e denso, que se amplia até um determinado ponto, pois é finito e contrário a natureza. Oposto ao bem que é natural, infinito, e é nossa verdadeira meta. Quando caminhamos na contramão, criamos aflições e angustias e a energia torna-se pesada, lenta e congestionada, até estagnar. E assim, a perpetuação aprofunda a densidade, pois temos medo de ter medo, raiva de ter raiva, nos deprimimos com a depressão, nos frustramos por estarmos frustrados.
A negatividade assimilada se avoluma continuamente, porém não é infinita. As explosões e crises significam a ruptura deste estado, que é contrário ao bem, ao desenvolvimento saudável do indivíduo, assim como à evolução. A intenção é colocar ponto final nesse estado e oportunizar o reconhecimento e a mudança de direção e sentido. Porém, podemos continuar fugindo, não querendo ver o que é preciso e nem as mensagens oferecidas. Assim, as crises vão se mantendo, até um ponto insuportável e insustentável de desequilíbrios e doenças em todos os níveis.
O chamado para o Bem e o Amor é certo, é inevitável, é nossa única verdade e realidade. As ilusões se desfazem e o brilho, a luz, o poder, a sabedoria e o amor de nossa Presença aparecem, e se revela com toda grandeza, que é Essencial e que nos fundamenta no Aqui Agora.
A meta é nos fazer ver, perceber e sentir que somos seres especiais, com vestes materiais, mergulhados numa experiência terrena, que nos torna humanos e em que o sagrado é inerente. Portanto, comungar o Sagrado e o Humano é o princípio do processo de transformação.
No compasso desse chamado para o Essencial, teremos que passar por tudo aquilo que não é. O que não é Bem, o que não é Amor e o que não é Verdade em nosso Ser se tornará evidente para poder ser transformado no que é. Sendo assim, a Essência adquire Força e Presença em nossas vidas.
Seremos, então, conduzidos a entender e compreender as dinâmicas criadas pela separação, as distorções advindas da fragmentação, as diversas estratégias mentais e os numerosos esquemas emocionais, que geram em nossa psique emaranhamentos, dor, sofrimento e inúmeras confusões que se manifestam em nossa realidade.
A intenção natural desse processo não é instigar mais dor ou inflar mais sofrimento, e sim, curar, cuidar, respeitar, dar atenção e acolhimento a tudo que se mostra.
Influenciado pela Evolução e pelo Saudável que há em nosso íntimo, nosso sistema quer a cura pela mudança de percepção, ou seja, passar a observar e perceber de um lugar mais elevado. E ir além ao ampliar a visão e mudar as representações internas, conquistando consciência e inspirando o derramamento do Amor que vem da Fonte de onde provém o puro e essencial, que está em nós… de onde nossa Essência é… Eu Sou…Eu Sou…Eu Sou…
O Caminho da Transformação nos direciona a Felicidade e nos torna Especiais, porque legitima e qualifica as virtudes divinas que são latentes e evidencia o Bem e o Belo que existe. E assim, oportuniza a definição de nossa verdadeira identidade: Quem Sou.
A amplitude criada pelo Caminho da Transformação nos conduz de seres inconscientes a seres conscientes, transmuta densidade em leveza, transforma estados de ser vazios em estados plenos, ressignifica toda dor em pleno amor, revelando e manifestando a origem divina, a verdadeira Essência: Que Eu Sou…
Seja Bem-Vindo! Ao Caminho da transformação.
“O bom filho à casa retorna”(Jean Yves Leloup)